Tia Cácá,
Adoro este texto. É daqueles que gostava de ter sido eu a ter escrito.
É a propósito de sermos pais de uma criança com deficiência, mas acho que se aplica em geral a todos os pais que fabricaram na mente um filho específico e lhes saiu outro completamente diferente.
Posso dizer hoje do fundo do coração que a minha viagem à Holanda foi a coisa mais extraordinária que me aconteceu na vida. Se calhar, se fosse italiana a Xiquinha era mais à moda, mas é a sua diferença holandesa que a torna única e tão infinitamente especial.
Beijinhos Xica
A Xiquinha no Santa Maria, 2008
BENVINDOS À HOLANDA
Pedem-me muitas vezes para descrever a experiência de educar uma criança com deficiência – para tentar ajudar as pessoas que nunca tiveram esta experiência única a perceber, a imaginar como é que nos sentimos. É assim…
Quando vamos ter um bebé, é como planear uma fantástica viagem de férias – a Itália. Compramos uma data de guias turísticos e fazemos os nossos planos maravilhosos. O Coliseu. O David de Miguel Ângelo. As gôndolas de Veneza. Até aprendemos algumas frases em italiano. É tudo muito excitante.
Depois de meses de ansiosa antecipação, chega finalmente o dia. Fazemos as malas e partimos. Várias horas depois, o avião aterra. A hospedeira aparece e diz: “Benvindos à Holanda”.
“Holanda!?” dizemos nós. “O que é que quer dizer com Holanda?? Eu comprei uma viagem para Itália! É suposto eu estar em Itália. Toda a minha sonhei ir a Itália”.
Mas houve uma mudança no plano de voo. Aterraram na Holanda e é aí que temos de ficar.
O mais importante é que não nos levaram para um lugar horrível, nojento, imundo, cheio de pestilência, fome e doenças. É apenas um lugar diferente.
Por isso, é preciso comprar guias novos. E aprender uma língua completamente nova. E conhecermos um grupo de pessoas completamente novas, que nunca teríamos conhecido.
É apenas um lugar diferente. É mais calmo do que a Itália, menos deslumbrante do que a Itália. Mas depois de estarmos lá há algum tempo, sustemos a respiração, olhamos em volta…e começamos a reparar que a Holanda tem moinhos de vento…e que a Holanda tem túlipas. A Holanda até tem Rembrandts.
Mas todas as pessoas que conhecemos estão entretidas a ir e a vir de Itália…e todas proclamam o maravilhoso tempo que lá passaram. E, pelo resto da nossa vida, vamos dizer “Sim, era onde eu devia ter ido. Era o que eu tinha planeado”.
E a dor disso nunca, nunca, nunca, nunca se irá embora…porque a perda de um sonho é uma perda muito, muito significativa.
Mas…se passarmos a vida a lamentarmo-nos pelo facto de não termos ido a Itália, é possível que nunca sejamos livres para apreciar as coisas muito especiais, muito queridas…da Holanda.
Emily Perl Kingsley
Tradução de Maná Ascensão
c1987 por Emily Perl Kingsley. Todos os direitos reservados.