Eça de Queiroz e Gil Vicente
1 – A Criança
Depois de milhares de investigações sobre o seu desenvolvimento, descobre-se que a criança precisa de ser olhada e vista. Segundo o Dr. João dos Santos há um desconhecimento real do que é uma criança.
Nós ainda continuamos convencidos que os nossos meninos não vêem nada, não ouvem nada e não percebem nada.
“Nunca sabemos bem o que uma criança entende ou não entende e quais os caminhos do seu entendimento.” (Sophia de Mello Breyner).
Ao ler um texto a uma criança, ela pode não compreender algumas palavras, mas vai enriquecendo o seu vocabulário e a sua imaginação.
Nas lengalengas e nas cantilenas há muitas palavras inventadas e frases sem sentido, onomatopeias e interjeições. Os meninos repetem, decoram e querem mais.
2 – O Texto Literário
No ensino secundário aprendemos que no texto literário a palavra tem uma finalidade diferente da palavra num texto informativo.
A palavra é, no dizer de Luiz de Lima Barreto “Um material com que se constrói um objecto artístico (…) o escritor procurará, de cada vez que se serve das palavras, que elas surjam como novas, numa busca idêntica à do pintor, que procura em cada quadro que as cores traduzam novas formas, novas dinâmicas, novos volumes, ou ao trabalho do músico, que em cada composição procura que os sons já utilizados tantas vezes, surjam como se tivessem sido inventados naquele instante.”
Daí que o estilo de cada criador seja pessoal e intransmissível. Não se confunde Velásquez com Picasso ou Mozart com Ravel, nem um soneto de amor de Camões com outro de Florbela Espanca.
No suplemento “Actual” do semanário Expresso, de 16 de Fevereiro, o jovem escritor José Luís Peixoto teve honras de capa. Podemos ler na pág. 10: “… o estilo de Peixoto está todo ali: um denso negrume existencial, aliado a um ritmo encantatório, feito de frases bem desenhadas, repetições, síncopes, crescendos e um lirismo sempre à beira do derrame.”
Aqui se refere a relação entre significante e significado. A forma e o contudo estão intimamente relacionados.
3 - A Literatura Portuguesa contada às crianças
A propósito de adaptações, Pennac é radical: “Pegarão nas tesouras da imbecilidade e cortarão o que consideram demasiado difícil para as crianças”
1 – A Criança
Depois de milhares de investigações sobre o seu desenvolvimento, descobre-se que a criança precisa de ser olhada e vista. Segundo o Dr. João dos Santos há um desconhecimento real do que é uma criança.
Nós ainda continuamos convencidos que os nossos meninos não vêem nada, não ouvem nada e não percebem nada.
“Nunca sabemos bem o que uma criança entende ou não entende e quais os caminhos do seu entendimento.” (Sophia de Mello Breyner).
Ao ler um texto a uma criança, ela pode não compreender algumas palavras, mas vai enriquecendo o seu vocabulário e a sua imaginação.
Nas lengalengas e nas cantilenas há muitas palavras inventadas e frases sem sentido, onomatopeias e interjeições. Os meninos repetem, decoram e querem mais.
2 – O Texto Literário
No ensino secundário aprendemos que no texto literário a palavra tem uma finalidade diferente da palavra num texto informativo.
A palavra é, no dizer de Luiz de Lima Barreto “Um material com que se constrói um objecto artístico (…) o escritor procurará, de cada vez que se serve das palavras, que elas surjam como novas, numa busca idêntica à do pintor, que procura em cada quadro que as cores traduzam novas formas, novas dinâmicas, novos volumes, ou ao trabalho do músico, que em cada composição procura que os sons já utilizados tantas vezes, surjam como se tivessem sido inventados naquele instante.”
Daí que o estilo de cada criador seja pessoal e intransmissível. Não se confunde Velásquez com Picasso ou Mozart com Ravel, nem um soneto de amor de Camões com outro de Florbela Espanca.
No suplemento “Actual” do semanário Expresso, de 16 de Fevereiro, o jovem escritor José Luís Peixoto teve honras de capa. Podemos ler na pág. 10: “… o estilo de Peixoto está todo ali: um denso negrume existencial, aliado a um ritmo encantatório, feito de frases bem desenhadas, repetições, síncopes, crescendos e um lirismo sempre à beira do derrame.”
Aqui se refere a relação entre significante e significado. A forma e o contudo estão intimamente relacionados.
3 - A Literatura Portuguesa contada às crianças
A propósito de adaptações, Pennac é radical: “Pegarão nas tesouras da imbecilidade e cortarão o que consideram demasiado difícil para as crianças”
3.1 – Os “Maias” de Eça de Queiroz
A adaptação foi feita por José Luís Peixoto.
É extraordinário que J.L.Peixoto e outros escritores de renome aceitem a incumbência de assassinar a literatura portuguesa.
Na adaptação de “Os Maias” pouco existe de Eça, além da série de segredos, traições, fugas, aparecimentos, suicídios, adultério e incesto.
Em vez de um relato factual, porque não fazer a revelação criativa da sua literatura? O capítulo III, em que Eça conta a educação de Carlos e do Eusèbiozinho, é um exemplo claro, divertido e acessível para os mais novos, onde podemos saborear a arte do escritor.
Eça trabalhava a sua linguagem até à perfeição: “… Essencial é dar a nota justa; um traço justo e sóbrio cria mais que a acumulação de tons e de valores, como se diz em pintura” (Eça de Queiroz).
3.2 – “Auto da Barca do Inferno” de Gil Vicente
Na adaptação, Rosa Lobato de Faria declara a sua intenção:
“… Transformar o que ele fez em linguagem de hoje em dia”.
Pegou no Auto e substituiu tudo o que lhe apeteceu. Deve achar assim muito mais engraçado, como se Gil Vicente precisasse de transformação.
No tempo em que no Teatro Nacional havia tardes clássicas, um menina de quatro anos adoptou o “vicentês” no seu dia a dia: “ Venha asinha!; Pêra onde is?; Sapatos tens amarelos” !!!
Não precisou que lhe explicassem nada.
No Auto da Barca as personagens permanecem actuais. Os diálogos são riquíssimos. Cada figura fala de acordo com as suas características. O Diabo dirige-se a cada uma conforme a sua condição social, de um modo satírico de que resulta uma linguagem pitoresca, colorida e de grande comicidade. O Anjo mantém sempre um tom hierático.
Vejamos algumas adaptações:
G.V. – Diabo: “- Ó precioso D. Anrique”
Adaptação: - Vem ali o D. Henrique.
G.V. – Anjo: “Não se embarca tirania/neste batel divinal”
Adaptação: - Fidalgo, tende juízo/aqui não podeis entrar.
G.V. – Frade: “Como! Por ser namorado/e folgar com ua mulher/se há-de um frade perder/com tanto salmo rezado?
Adaptação: - Sois o frade comilão/que de comer se finou.
Aqui Rosa Lobato de Faria resolve que os meninos não devem saber da amante do frade, a senhora Florença, que no dizer do Parvo é um “trinchão” (bom bocado). E transforma o frade num comilão. Omite também a lição de esgrima.
G.V. – Diabo: “Padre, haveis logo de vir.”
Adaptação: - Subi lesto. Ponde o pé/e acabou-se o “conversê”.
Encontramos no Auto, latim de Igreja. Latim macarrónico: “Rapinaste coelhorum/et pernis perdigotorum.
Há pragas e insultos: “perna de cigarra velha/pelourinho da Pampulha” (e assim ficamos a saber que em 1516 já existia o lugar da Pampulha!).
Há cantos e danças portugueses e castelhanos; evocações a Santos como Santa Joana Valdez e Garcia Moniz que são alusões jocosas a figuras da época.
R.L.F. não gostou do sentido religioso do Auto e mutilou a última cena.
Diz o Anjo: - “Ó cavaleiros de Deus/que a vós estou esperando/ que morreste pelejando/por Cristo Senhor dos Céus./Sois livres de todo o mal,/santos por certo sem falha;/que quem morre em tal batalha/merece Paz eternal”.
Este final foi substituído por:
- Assim termino eu/ o Auto do Gil Vicente.
Rosa Lobato de Faria terá pedido autorização ao dito Gil Vicente para fazer este cozinhado???
Brada aos Céus!!!
Marta Ribeiro
28/02/2008
2 comentários:
Sabendo que cada um tem direito à sua opinião, e reconhecendo que algumas das escolhas dos escritores que participam no projecto Clássicos da Literatura Contados às Crianças não terão sido as melhores (principalmente as de Rosa Lobato Faria), gostaria de deixar aqui alguns comentários a favor da referida colecção.
Em primeiro lugar penso que a simplificação de obras literárias para torná-las mais acessíveis a crianças, pessoas que não tiveram a sorte de ter uma educação literária mais completa ou falantes não nativos da língua não é, de modo algum ,uma prática condenável. É prática comum em diversos países e é , alías uma tarefa a que se dedicaram grandes nomes das letras portuguesas como Aquilino Ribeiro, João de Barros ou António Sérgio, todos eles sem grandes pudores em relação ao "assassinar" da literatura portuguesa.
Pergunto eu: será que uma criança de 7 anos consegue perceber no tal capítulo III de Os Maias, o valor da ironia através da qual Eça realiza a crítica à mediocridade da sociedade portuguesa da época, ou a função caricatural dos adjectivos que a autor utiliza? Será um exemplo assim tão claro, divertido e acessível para os mais novos? Será a criança capaz saborear a arte do escritor sem perceber isto? Será que ela consegue perceber o que autor pretende realmente dizer ou compreender o seu estilo e o que o distingue dos restantes? Ou terá ela, necessariamente uma visão parcelar da obra, ou seja, uma visão simplificada da mesma.? Não sei, não sou tão cheia de certezas quanto o lacónico Sr. Pennac.
João de Barros no prefácio de "Os Lusíadas contados às crianças" da Sá da Costa, explica que esta delicada tarefa é feita pensando na alegria de ajudar a criar o gosto pela leitura de histórias. Ela passa, necessariamente, por reduzir a linhas essenciais algo que é grandioso mas, se calhar, as crianças limitam-se a apreciar a história. Não percebem a arquitectura literária, as complexas referências culturais ou a riqueza da linguagem dos autores. Mas talvez isso possa ser deixado para segunda leituras. Alías, as grandes obras têm justamente a capacidade de serem lidas de forma diferente em diferentes momentos da nossa vida.
Suponho que existem gerações agradecidas de jovens que apreciaram e continuam a apreciar as façanhas de Ulisses na versão de João de Barros sem se preocupar com o respeito pela integridade literária da obra de Homero, ou as Fernão Mendes Pinto em jogos interactivos ou as de Vasco da Gama nos Lusíadas em banda desenhada...
Sandra Monteiro
Durante muito tempo pensou-se que as crianças deveriam estar alheias à cultura, e brincarem com carrinhos ou bonecas.
Felizmente, esses tempos de obscurantismo acabaram: as crianças têm um imenso poder de conhecimento, um enorme poder de apreensão, e uma sensibilidade extraordinária.
Estes livros são muito bons. E cada vez mais há que nos sentarmos "cinco minutos" com os nossos filhos e mostrarmo-lhes o que perdura de geração para geração.
Agora uma provocação: e o projecto de biblioteca "itinerante" que o Santa Maria do Mar tinha?
Abraço
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