quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Hoje contaram-me uma história.

Tia Cácá,
Adoro este texto. É daqueles que gostava de ter sido eu a ter escrito.
É a propósito de sermos pais de uma criança com deficiência, mas acho que se aplica em geral a todos os pais que fabricaram na mente um filho específico e lhes saiu outro completamente diferente.

Posso dizer hoje do fundo do coração que a minha viagem à Holanda foi a coisa mais extraordinária que me aconteceu na vida. Se calhar, se fosse italiana a Xiquinha era mais à moda, mas é a sua diferença holandesa que a torna única e tão infinitamente especial.
Beijinhos Xica

A Xiquinha no Santa Maria, 2008

BENVINDOS À HOLANDA

Pedem-me muitas vezes para descrever a experiência de educar uma criança com deficiência – para tentar ajudar as pessoas que nunca tiveram esta experiência única a perceber, a imaginar como é que nos sentimos. É assim…
Quando vamos ter um bebé, é como planear uma fantástica viagem de férias – a Itália. Compramos uma data de guias turísticos e fazemos os nossos planos maravilhosos. O Coliseu. O David de Miguel Ângelo. As gôndolas de Veneza. Até aprendemos algumas frases em italiano. É tudo muito excitante.
Depois de meses de ansiosa antecipação, chega finalmente o dia. Fazemos as malas e partimos. Várias horas depois, o avião aterra. A hospedeira aparece e diz: “Benvindos à Holanda”.
“Holanda!?” dizemos nós. “O que é que quer dizer com Holanda?? Eu comprei uma viagem para Itália! É suposto eu estar em Itália. Toda a minha sonhei ir a Itália”.
Mas houve uma mudança no plano de voo. Aterraram na Holanda e é aí que temos de ficar.
O mais importante é que não nos levaram para um lugar horrível, nojento, imundo, cheio de pestilência, fome e doenças. É apenas um lugar diferente.
Por isso, é preciso comprar guias novos. E aprender uma língua completamente nova. E conhecermos um grupo de pessoas completamente novas, que nunca teríamos conhecido.
É apenas um lugar diferente. É mais calmo do que a Itália, menos deslumbrante do que a Itália. Mas depois de estarmos lá há algum tempo, sustemos a respiração, olhamos em volta…e começamos a reparar que a Holanda tem moinhos de vento…e que a Holanda tem túlipas. A Holanda até tem Rembrandts.
Mas todas as pessoas que conhecemos estão entretidas a ir e a vir de Itália…e todas proclamam o maravilhoso tempo que lá passaram. E, pelo resto da nossa vida, vamos dizer “Sim, era onde eu devia ter ido. Era o que eu tinha planeado”.
E a dor disso nunca, nunca, nunca, nunca se irá embora…porque a perda de um sonho é uma perda muito, muito significativa.
Mas…se passarmos a vida a lamentarmo-nos pelo facto de não termos ido a Itália, é possível que nunca sejamos livres para apreciar as coisas muito especiais, muito queridas…da Holanda.

Emily Perl Kingsley
Tradução de Maná Ascensão
c1987 por Emily Perl Kingsley. Todos os direitos reservados.

5 comentários:

Vidas de Colégio disse...

Querida Tia Xica
Gostei da história, mas parece-me que a Xiquinha tem um perfil mais brasileiro, sempre a rir e pronta para um bom samba, e quanto a mascarar-se...fica tal e qual a Carmen Miranda!

Beijinhos a todos
Carmo

Francisca Prieto disse...

Sabes tia Cácá, antes da Xiquinha nascer já tinhamos visitado Itália duas vezes e já conhecíamos os guias de cor.
Éramos pais já bastante viajados. E foi a Xiquinha quem nos levou, por atalhos, para lugares onde nunca teríamos pensado ir.

Por ela tenho muitas vezes pena que não tenha nascido italiana ou brasileira. Da nossa parte, só tenho a agradecer a esta filha ter-nos transportado para um mundo tão extraordinário. Sei que somos hoje pessoas muito melhores.

Acho sinceramente que os cromossomas extra inibem desempenhos na medida proporcionalmente inversa aos valiosos ensinamentos de vida que nos trazem.

Resta-me dizer que esta filha me faz rebentar de orgulho todos os dias!

P.S - Sim, claro, depois com a Rita lá voltámos à velha viagem a Itália, já tão batida!

Teresa disse...

Esta história fez-me lembrar outra, que não resisti a deixar agora aqui...não sei quem escreveu, e segue na versão original...mas acho que vão gostar de ler!

"*An elderly Chinese woman had two large pots, each hung on the ends of a pole which she carried across her neck.

One of the pots had a crack in it while the other pot was perfect and always delivered a full portion of water.

At the end of the long walks from the stream to the house, the cracked pot arrived only half full.

For a full two years this went on daily, with the woman bringing home only one and a half pots of
water.

Of course, the perfect pot was proud of its accomplishments.

But the poor cracked pot was ashamed of its own imperfection, and miserable that it could only do half of what it had been made to do.

After two years of what it perceived to be bitter failure, it spoke to the woman one day by the stream.
'I am ashamed of myself, because this crack in my side causes water to leak out all the way back to your house.'

The old woman smiled, 'Did you notice that there are flowers on your side of the path, but not on the other pot's side?'

'That's because I have always known about your flaw, so I planted flower seeds on your side of the path, and every day while we walk back, you water them.'

'For two years I have been able to pick these beautiful flowers to decorate the table.

Without you being just the way you are, there would not be this beauty to grace the house.'

Each of us has our own unique flaw. But it's the cracks and
flaws we each have that make our lives together so very interesting and rewarding.

You've just got to take each person for what they are
and look for the good in them.

SO, to all of my crackpot friends,
have a great day and remember to smell the flowers on your side of the path! "

Carmo disse...

Bonitas histórias!
Beijinhos

Francisca Prieto disse...

Pois é, mãe Teresa, é isso mesmo! É preciso aprendermos a olhar para as coisas surpreendentes e únicas que as pequenas imperfeições que nos oferecem.

E o que é engraçado quando lidamos diariamente com estas crianças é que as características decorrentes dos seus défices passam a ser, para nós, traços de personalidade.

A falta de motricidade fina da Xiquinha, por exemplo, é para mim, uma trapalhice divertida.
Farto-me de rir quando ela tenta pentear a Rita e a outra desata aos gritos enquanto é sovada pela escova.

Acho que é quando conseguimos atingir este estádio que ultrapassamos a dificuldade espiritual de termos um filho diferente.

Um bj e obg pela história.

Tia Xica